Estratégia pode interromper processos de
morte celular relacionados a doenças como Parkinson, Alzheimer e
epilepsia
26 de setembro de 2012 .| Além das conhecidas sinapses
químicas – que permitem a interação entre as células nervosas, envolvendo
neurotransmissores e receptores –, os neurônios também se comunicam com sinapses
elétricas. Nesse tipo de sinapse, correntes de íons passam diretamente de uma
célula a outra por meio de canais conhecidos como “junções comunicantes”,
produzindo um acoplamento entre os neurônios.
Uma pesquisa realizada por
pesquisadores brasileiros mostrou que desacoplar os neurônios pode ser uma
estratégia simples e eficaz para a neuroproteção – isto é, interromper processos
de morte celular relacionados a doenças neurodegenerativas como
Parkinson, Alzheimer e
epilepsia.
O estudo, publicado na revista PLoS One, foi liderado pelo
professor Alexandre Kihara, coordenador da pós-graduação em Neurociência e
Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC). O trabalho foi realizado com
apoio da FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros
Emergentes.
Além de Kihara, participaram da pesquisa seus orientandos de
doutorado Vera Paschon e Guilherme Higa – ambos bolsistas da FAPESP –, além dos
professores Luiz Roberto Britto, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), e
Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo Kihara, embora sejam
historicamente menos estudadas que as sinapses químicas, sabe-se hoje que as
sinapses elétricas são fundamentais em diversas funções fisiológicas e
cognitivas, como desenvolvimento, aprendizado, memória e percepção. Estudos
recentes têm mostrado, também, que a participação das junções comunicantes no
acoplamento entre os neurônios está relacionada com o espalhamento da apoptose,
ou morte celular.
“Na apoptose, que é um processo comum a todas as
doenças neurodegenerativas, o neurônio altera sua programação interna para ‘se
suicidar’. Ocorre que, se um neurônio em apoptose estiver acoplado com um
neurônio sadio – como mostra nosso estudo –, esse acoplamento permite a passagem
de determinadas moléculas que aumentam a probabilidade de o neurônio sadio
entrar em apoptose também”, disse Kihara à Agência FAPESP.
Segundo
Kihara, no entanto, os cientistas ainda estão investigando quais são as
moléculas envolvidas no espalhamento da apoptose por meio do acoplamento entre
os neurônios. Além de tradicionais segundos mensageiros – como IP3, um
importante sinalizador de cálcio – , o grupo da UFABC levanta a hipótese de que
os microRNAs (miRNAs) podem estar envolvidos no processo.
“Os miRNAs
regulam negativamente a tradução e representam uma camada adicional de controle
entre o RNAm e as proteínas. A proposta de que miRNAs possam trafegar por
junções comunicantes é considerada muito ousada. No entanto, ninguém conseguiu
levantar argumentos concretos contra a hipótese, enquanto nós já temos alguns
indícios a favor”, disse Kihara.
Para que ocorra um trânsito de moléculas
entre as células, não basta que elas estejam acopladas. É preciso também que
existam gradientes – isto é, que um dos neurônios acoplados tenha uma
concentração de moléculas maior que o outro. Sendo assim, os pesquisadores
usaram a estratégia de gerar gradientes a partir de lesões feitas com agulhas
finíssimas nas retinas de galos.
A lesão era focada o suficiente para
produzir a morte celular em um ponto específico do tecido, sem afetar o entorno,
gerando um gradiente. Esse acoplamento foi manipulado farmacologicamente com
diversas drogas. Quando os fármacos desacoplavam os neurônios, os pesquisadores
observaram uma redução do espalhamento da morte celular.
“A estratégia
foi produzir uma lesão aguda e localizada, com o intuito de gerar gradientes de
concentração no tecido, para em seguida desacoplar bioquimicamente os neurônios.
Para isso, uma dupla abordagem foi realizada, combinando lesões de retina in
vivo e explantes de retina, modelo in vitro, mais adequado que as tradicionais
culturas de células”, explicou Kihara.
Aplicação potencial
A
estratégia de neuroproteção utilizando diferentes moléculas que desacoplam
neurônios foi também capaz de regular negativamente genes pró-apoptóticos como
as caspases. “A estratégia se mostrou tão eficiente que foi reproduzida in vivo,
resultando em diminuição da área afetada e da morte neuronal”, disse
Kihara.
“Mostramos também que os neurônios que estão em apoptose mantêm a
expressão de conexinas – que são proteínas responsáveis por formar os canais de
junções comunicantes, permitindo a ocorrência do acoplamento. Isso é importante,
porque assim pudemos eliminar a hipótese de que um neurônio em processo de
apoptose pudesse deixar de expressar as proteínas que formam o canal de
acoplamento”, disse.
Segundo Kihara, a partir de agora os estudos irão
investigar a hipótese de que os miRNAs transitem pelos canais de junções
comunicantes e participam do processo de espalhamento da apoptose entre células
acopladas.
A equipe que trabalhará com essa hipótese terá a participação
de Erica de Sousa, aluna de graduação da UFABC e autora de um capítulo sobre
miRNAs no livro Sinalização de Cálcio: Bioquímica e Fisiologia Celulares, que
será lançado no início de outubro, no 1º Simpósio Brasileiro de Sinalização de
Cálcio: Bioquímica e Fisiologia Celulares, na UFMG.
De acordo com Kihara,
os estudos continuarão também a explorar as possibilidades de utilizar o
desacoplamento de neurônios como estratégia de neuroproteção, com potencial
aplicação no tratamento de doenças neurodegenerativas.
“Continuaremos
investigando como e quando fazer isso de forma mais eficiente dependendo da
doença. Mas acreditamos que uma nova porta foi aberta para estudos em
neurodegeneração”, disse.
O artigo Blocking of Connexin-Mediated
Communication Promotes Neuroprotection during Acute Degeneration Induced by
Mechanical Trauma, de Vera Paschon e outros, pode ser lido na
PLoS One. Fonte:
O Estado de S.Paulo.