'Entendemos hoje que o cérebro sempre tem um 'ponto de vista' adquirido pelo
acúmulo das suas experiências passadas', afirma o pesquisador
Abrir no Link abaixo.
Quem se propõe a fazer uma breve apresentação de Miguel Nicolelis se vê
diante de pelo menos dois desafios. Um deles é resumir as aspirações do
neurocientista, o outro, sintetizar as suas realizações.
(No
vídeo ao lado, reportagem do Fantástico aborda projeto de
Nicolelis)
As metas que norteiam este médico paulistano, formado na Universidade de São
Paulo (USP), que se tornou chefe de um dos mais importantes laboratórios de
neuroengenharia do mundo, impressionam pela grandeza. Nicolelis busca uma nova
compreensão do cérebro capaz de mudar a ideia que o homem faz de si mesmo e, ao
mesmo tempo, propiciar avanços que beneficiem pessoas que sofrem de paralisia e
de doenças como Alzheimer e esquizofrenia. Está decido a fomentar o
desenvolvimento de regiões e populações pobres por meio da criação de polos de
produção científica e de um modelo de educação que revolucione a formação básica
de milhões de estudantes.
O segundo desafio ao apresentar Miguel
Nicolelis é ser sucinto quanto a suas credenciais e conquistas. Autor de
diversos trabalhos publicados nas mais prestigiadas revistas científicas do
mundo, ele já fixou vários marcos na história das ciências do cérebro.
Globo Universidade - Você é um dos principais protagonistas de uma
revolução teórica que vem mudando a forma de compreender e estudar o cérebro.
Qual é a essência dessa revolução?
Miguel Nicolelis
– Nos últimos 20 anos, estamos deixando de achar que o neurônio
isolado, a célula isolada, é a unidade funcional do cérebro. Rompemos com a
visão reducionista, de que para entender o cérebro, a gente tem que picar ele em
pedacinhos. O doutor César Timo-Lária, que foi meu orientador, costumava dizer
que assim você vira o especialista que sabe tudo do nada. E é a pura verdade. O
pessoal achou que ia pegar o cérebro, ia cortar, chegar à proteína da sinapse, e
ia explicar como tudo funciona. O neurônio é a unidade anatômica, mas para o
cérebro produzir qualquer tipo de comportamento, tem que haver atividade
coerente de um grande número de células, que formam um circuito neural. O
cérebro, basicamente, é um sistema que produz o que ele produz como consequência
de uma série de propriedades emergentes desses bilhões de neurônios que se
intercomunicam. Tentar entendê-lo olhando um neurônio de cada vez é como querer
entender a Floresta Amazônica examinando folha por folha. Não há como você
reconstruir a floresta a partir dessas unidades porque a interação no
ecossistema é muito mais complexa do que se pode perceber ao examinar a folha.
Mais recentemente, em vez de ver o cérebro como um decodificador das grandezas
físicas que vêm do ambiente, impactam no corpo e informam o cérebro – que então
tem que gerar um código, como se fosse um computador –, estamos criando o que eu
chamo de “visão relativística do cérebro”. Entendemos hoje que o cérebro sempre
tem um “ponto de vista” adquirido pelo acúmulo das suas experiências passadas e
o que ele faz continuamente é checar suas hipóteses, seus modelos de realidade.
Estamos, portanto, substituindo uma concepção do cérebro como decodificador por
uma visão do cérebro como um grande modelador, um simulador da realidade. A
diferença é como do dia para a noite. Uma verdadeira revolução conceitual. Muda
a forma como pensamos a nossa identidade, como corpos, seres vivos, indivíduos,
e também como encaramos as doenças neurológicas. Por isso acho que vem por aí
uma sequência de novas terapias para doenças neurológicas. Tratamentos que vão
emergir de uma nova visão de como o cérebro opera.
GU – Você pode
dar um exemplo disso, de uma nova abordagem em relação a uma doença
específica?
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